O Brasil na década de 80 implementou uma profunda reforma no Sistema Nacional de Saúde. A reforma caracterizou-se pela integração dos subsistemas de Saúde Pública e da Previdência, constituindo um sistema único e nacional, e pelo desenvolvimento de um processo de descentralização das decisões e da operação dos serviços, visando maior autonomia por parte dos estados e municípios. Outro aspecto importante dessa reforma é a conformação de um novo modelo assistencial, definido por princípios organizativos no próprio texto constitucional, tendo como referencial os conceitos de descentralização e regionalização (Viana, 1993).
Essas reformas representadas por essas iniciativas no que tange às políticas públicas visavam inverter características das anteriores de intervenção do Estado na área social, em específico da saúde.
O contexto da redemocratização na década de 80 é marcado por crises tanto na área da saúde quanto na econômica. Na área da saúde, a crise se dá pela crítica e questionamentos ao antigo modelo de alta centralização de recursos na esfera federal, privatização da oferta de serviços curativos e do acesso restrito de grande parte da população aos serviços de saúde (Mello, 1977; Silva, 1983).
Já na área econômica a crise se caracteriza sinteticamente por dois grandes desafios: capacidade do Estado de resolver sua crise fiscal (e as formas de solução do déficit público) e capacidade de constituírem novas modalidades de inserção do país na nova ordem internacional (Viana, 2014a)
Três são os movimentos neste período com repercussões importantes na configuração do setor saúde: Ações Integradas de Saúde – AIS (1983-1987), Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde nos Estados – SUDS (1988-1989) e Sistema Único de Saúde – SUS (a partir de 1990). A existência de três propostas de reorganização do setor saúde, num período de 10 anos, tempo que pode ser considerado escasso e as mudanças estruturais provocadas colocam a sua relevância para o período.
Em 1981, criou-se o Conselho Consultivo de Administração Previdenciária (CONASP). Em agosto de 1982, aprova-se o Plano de Reorientação da Assistência à Saúde no Âmbito da Previdência Social CONASP (1982). Através deste Conselho, conferiam-se prioridades às ações básicas de saúde, à integração das esferas federal, estadual e municipal, de modo hierarquizado e regionalizado, a universalização da cobertura, a ocupação da capacidade física do atendimento dos poderes públicos, fazendo com que a prestação de serviços privados se revestisse de um caráter complementar.
As Ações Integradas de Saúde (AIS), gestadas dentro da orientação do CONASP, têm como pressuposto que o poder público é o único responsável pelo controle do sistema de saúde e pela saúde da população. Além disso, pressupõe a integração interinstitucional, o planejamento de intervenção orientado pelo quadro de problemas sanitários da população e a integralidade das ações de saúde, evitando-se as dicotomias preventivo/curativo, individual/coletivo e ambulatorial/hospitalar. (Ministério da Saúde, 1983)
A implementação das AIS implicou a criação de mecanismos institucionais capazes de romper com a duplicidade de ações nos diversos níveis do aparelho do Estado. Nesse sentido, são criadas as Comissões Interinstitucionais de Saúde (CIS), Comissões Regionais interinstitucionais de Saúde (CRIS), Comissões Interinstitucionais Municipais de Saúde (CIMS) e Comissões Locais Interinstitucionais de Saúde (CLIS) correspondentes a fóruns de discussão a nível estadual, regional, municipal e local.
Os instrumentos jurídicos-administrativos formalizados pelas AIS previam: a) convênios entre esferas de governo (explicitam objetivos, estrutura e mecanismos de financiamento das AIS em cada estado; b) termos aditivos (que visam a operacionalização de projetos específicos de atuação conjunta, envolvendo compromissos programáticos e financeiros); c) termos de adesão (que visam a incorporação das prefeituras de determinadas regiões às AIS, definindo programas e recursos financeiros).
Cabe lembrar que a eleição dos governadores em 1982, primeiras pós 64, com vitória de ampla maioria da oposição, com programas legitimados na área social e propostas de descentralização, desempenha papel importante no fortalecimento dessas políticas (Viana, 2014)
Assim, é a partir da implementação das Ações Integradas de Saúde (AIS) – 1983-7, do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) – 1987 – 89 e do Sistema Único de Saúde (SUS) – 1989 – que o processo de descentralização e municipalização ganha significativo impulso com o incremento dos repasses financeiros da União via INAMPS para custeio e investimentos nas redes municipais e estaduais.
No início de 1980, o INAMPS repassava 5% de seus recursos aos Estados e Municípios, atingindo, já em 1987, a proporção de 17%. Em 1984, 400 municípios implantam as AIS. Esse número evolui para 501, em 1985, e, em 1986, para 2215 (MEDICI et al.,1993).
Um denominador comum desses três movimentos foi a opção pela organização descentralizada, contrária à tendência centralizadora até então vigente no setor que apontou a intenção de fomentar o processo de redistribuição do poder do Descentralização ou desconcentração: AIS – SUDS – SUS (MOTTA, 1990).
Ainda no contexto federal, no que se refere a parâmetros das políticas públicas na saúde, cabe a referência ao Documento produzido no âmbito da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, pelo Grupo Especial para a Descentralização: “Descentralização das Ações e Serviços de Saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprir a Lei” (Ministério da Saúde, 1993).
De maneira sintética, três aspectos relevantes desse documento podem ser ressaltados: o corte municipalista da descentralização envolvendo a redistribuição do poder e de recursos; perspectiva de alcance de um novo modelo assistencial, definindo a expressão “Único” do Sistema como um conjunto de elementos de natureza doutrinária, que estaria englobando a universalidade, a equidade e a integralidade e, do ponto de vista organizacional, a descentralização, a regionalização e o controle social e a ênfase em dois grandes desafios à consolidação do SUS: as políticas de recursos humanos e o financiamento.
A repercussão dessas políticas e suas diferentes conformações no território nacional deve ser vista a partir de histórias locais e regionais dado a estrutura federalista do país, pois sua implementação é influenciada e construída por trajetórias históricas específicas, estaduais e municipais, do ponto de vista político, organizacional e assistencial. Isto é, as políticas das esferas federais tiveram repercussões diferenciadas nas instâncias subnacionais ao longo do período de implementação do SUS.
Uma breve síntese do contexto e suas repercussões no caso da SES-SP objeto deste projeto serão expostas a seguir problematizando sua implementação.