Metodologia
O presente estudo apresenta uma abordagem quantitativa e qualitativa, ou métodos mistos, para melhor entendimento dos dados, análise e interpretação da hipótese da pesquisa. As diferentes perspectivas metodológicas são vistas como complementares, de modo a ampliar e completar as possibilidades de melhor desenvolvimento do estado da arte e produção do conhecimento. Ainda quanto à utilização das abordagens quantitativas ou qualitativas, torna-se importante assinalar que a abordagem quantitativa permite revelar aspectos gerais do objeto avaliado, conferindo à pesquisa quantitativa o conhecimento amplo e generalizado do objeto investigado, enquanto a abordagem qualitativa centra-se na compreensão de aspectos do mesmo fenômeno, compreendendo a especificidade do objeto, bem como trabalha com valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões.
É bastante extensa, atualmente, a literatura específica sobre abordagens, dimensões e métodos analíticos quantitativos e qualitativos, inclusive sobre a elaboração de instrumentos de coleta de dados. As fontes e os mecanismos de coleta de dados para essa apreensão são também inúmeros e variados. Uma abordagem bastante adequada e atualmente utilizada em pesquisa empírica de caráter qualitativo é a triangulação dos dados, cujo objetivo básico é abranger a máxima amplitude na descrição e compreensão do foco em estudo, por meio do cruzamento de múltiplos pontos de vista a partir de uma série de informantes e diferentes instrumentos de coleta de dados.
A metodologia utilizada baseia-se numa pesquisa quantitativa e qualitativa que tem por base a análise documental em fontes primárias e secundárias, entrevistas em profundidade com atores-chave da área da Saúde Pública em São Paulo que estiveram à frente do executivo no período proposto.
4.1. Roteiro metodológico quantitativo
Levantamentos de dados dos sistemas de informação visando a caracterização dos aspetos demográficos, econômicos, sociais e do perfil epidemiológico;
4.2. Roteiro metodológico qualitativo
A. Revisão bibliográfica contextualizada e ampliada com publicações atualizadas sobre o tema. A necessidade de ampliação dessa revisão está relacionada a grande amplitude detrabalhos e teses sobre o período contextualizados e tematizados nos aspectos históricos, políticos, estruturais e organizacionais do sistema nacional e estadual de saúde.
B. Análise documental: técnica inserida no campo da pesquisa qualitativa, primordial nas pesquisas historiográficas. Neste estudo, essa análise será realizada a partir da consulta de fontes primárias e secundárias. Serão priorizados documentos históricos, extraindo informações, analisando-as de acordo com os objetivos propostos, priorizando os arquivos existentes no Museu da Saúde Pública Emílio Ribas e os da Faculdade de Saúde Pública e da Medicina da USP, entre outras.
C. Análise repercussões na mídia: a etapa inicial da pesquisa constitui-se no estabelecimento do corpus para análise mediante a consulta da coleção do diário referente ao período indicado e o fichamento das matérias jornalísticas centradas no tema estudado. Os referenciais metodológicos empregados serão a análise de conteúdo e a hermenêutica de profundidade. A análise de conteúdo se constitui em “um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais subtis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a ‘discursos’ (conteúdos e continentes) extremamente diversificados” (Bardin, 2015). A análise de conteúdo tem sido aplicada como recurso em diferentes áreas do conhecimento e Bardin preconiza este método como estratégia privilegiada para a exploração de um corpus, sendo assinaladas cinco etapas para o desenvolvimento da pesquisa que, segundo a autora, são flexíveis, isto é, podem ser parcialmente transformadas ou mesmo suprimidas. Estas etapas são as seguintes:
i. Organização de análise – composta por três procedimentos preliminares:
- Pré-análise: as ideias iniciais que instruem o estudo; é a etapa mais importante porque configura a organização da pesquisa e envolve o estabelecimento do corpus a ser submetido à análise e a elaboração da problemática e dos objetivos da pesquisa;
- Exploração do material: refere-se à operação de registro, organização inicial e codificação dos conteúdos constitutivos do corpus;
Tratamento dos resultados parciais e interpretação: a obtenção dos resultados brutos de forma a serem significativos e válidos;
Codificação: refere-se ao trabalho de transformação dos dados brutos de maneira sistemática, quantificando-os e classificando-os segundo o tema de cada unidade documental e/ou outros critérios pré-estabelecidos;
- Categorização: implica no reagrupamento das unidades de registro (as matérias jornalísticas), estabelecendo categorias temáticas para tornar inteligível o montante de dados coletados e viabilizar a continuidade da pesquisa;
- Inferência: etapa centrada no aspecto implícito das mensagens analisadas, buscando reconhecer as continuidades e as contradições constantes no interior de cada categoria estabelecida e também entre as diversas categorias criadas no contexto do corpus.
- Tratamento informático: etapa nem sempre realizada nos procedimentos de análise de conteúdo, é utilizada pelos pesquisadores que trabalha com a palavra como unidade básica significativa, permitindo a elucidação, por exemplo, da frequência que um termo específico é invocado em uma ou mais matérias jornalísticas.
ii. Já a hermenêutica de profundidade constitui-se numa técnica da análise de discurso centrada suas atenções mais na organização dos conteúdos formadores do corpus, concedendo atenção limitada à análise detalhada do teor dos conteúdos. Assim, como referencial metodológico complementar, recorrer-se-á à hermenêutica da profundidade, que permite a análise interpretativa mais apurada da produção e circulação das mensagens veiculadas pela mídia, sendo o material jornalístico, como toda produção midiática, entendidos como produções simbólicas elaboradas para serem apropriadas pelos sujeitos sociais. Além disso, a hermenêutica de profundidade adota a complementaridade de campos conceituais, instigando a recorrência à categoria “ideologia” como um dos recursos para a análise dos conteúdos. Para Thompson (1995), a pesquisa tributária da hermenêutica de profundidade deve ser processada em três etapas de análise:
- Análise sócio-histórica: o enfoque das condições sociais de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, analisando as situações no tempo e no espaço e suas possíveis interações com as estruturas sociais e de poder;
- Análise formal ou discursiva: parte-se do pressuposto de que as fórmulas simbólicas são construções complexas com uma estrutura articulada e, a partir disso, deve-se colocar em evidência o teor e os nexos estruturadores que conferem sentido aos conteúdos midiáticos assim como suas relações explícitas com o contexto histórico e social;
- Interpretação/Reinterpretação: momento no qual deve ser explorado o potencial crítico da pesquisa, superando as aparências evidentes presentes nas formulações simbólicas para ser possível desvelar os jogos de interesse que intentam estabelecer ou sustentar as relações de dominação.
Ainda segundo Thompson (1995), as três fases propostas para a implementação da hermenêutica de profundidade não devem ser pensados como “estágios separados de um método sequencial”. Em vez disto, tais etapas devem ser entendidos como dimensões analiticamente distintas e integradas de uma operação interpretativa, no caso presente, das produções jornalísticas tematizadas pelo sistema de saúde do estado de São Paulo.
iii. A terceira abordagem metodológica está relacionada à realização de entrevistas semiestruturadas com atores chave que participaram na formulação e implementação dessas políticas no período. Este será o procedimento metodológico central do projeto. Serão realizadas entrevistas semiestruturadas visando coletar narrativas que permitam traçar a trajetória dos entrevistados e seu papel na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, bem como entender os significados que atribuem às realidades vividas e sua singularidade nesse processo. Neste sentido o procedimento de escolha dos atores chaves terão os seguintes critérios: dirigentes e operadores da SES, dirigentes e operadores das SMS, participantes dos movimentos sociais e docentes das universidades e faculdades envolvidas. A elaboração dos instrumentos para as entrevistas seguirá roteiros organizados segundo eixos temáticos, relativos aos objetivos propostos pela pesquisa identificando a posição do ator no período, seu papel e sua percepção dos eventos estruturantes do Sistema Estadual de Saúde em São Paulo no período. As entrevistas terão transcrição, revisão e editoração e disponibilização em diferentes mídias. Os roteiros elaborados passaram pela aplicação de pré-testes para assegurar a qualidade da coleta de dados.
A coleção constituída será depositada, juntamente com o projeto e os produtos dele decorrentes, em uma instituição de preservação de acervos capaz de oferecer livre acesso aos documentos coletados e produzidos.
Conceitualmente esta pesquisa se vincula às perspectivas desenvolvidas pela história oral, ligada à história social, por ser um importante recurso para recuperar as experiências dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Com um amplo desenvolvimento teórico e metodológico a história oral trabalha com a dimensão da memória e do testemunho histórico, oferecendo um relevo diferenciado para os problemas elencados. Os relatos pessoais serão articulados com referenciais bibliográficos e documentais de maneira a melhor circunstanciar fatos, projetos, ideias e processos na construção das políticas públicas de saúde do Estado de São Paulo. Importante destacar também que a dimensão da experiência dos entrevistados contribui para identificarmos os laços identitários construídos pelo envolvimento na luta pela saúde pública. Toda a dinâmica de elaboração, organização, mobilização e reflexão que culminaram em diferentes projetos estruturantes na área, é reveladora de uma experiência e memória compartilhadas, com grande potencial para subsidiar novas abordagens, releituras e, até mesmo, reafirmar ideias e valores capazes de sustentar projetos e políticas públicas.
Um núcleo de História Oral no Brasil que é referência para esta pesquisa é o Programa de História Oral do CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, que tem desenvolvido, desde os anos de 1970, projetos com essa metodologia. Desde então, diferentes instituições e programas de pós-graduação têm difundido e se utilizado da História Oral. A década de 1980, por exemplo, é paradigmática em decorrência das expressivas transformações epistemológicas ocorridas nas pesquisas históricas. Incorporaram-se os estudos de temas contemporâneos, houve a reintrodução e valorização da atuação dos sujeitos históricos individuais na elaboração dos processos, das dimensões micro históricas, do cotidiano, cultura, das representações sociais – abordagens que se utilizam largamente dos depoimentos orais para a compreensão de problemas de pesquisa previamente estabelecidos. No que se refere aos estudos dos fenômenos do mundo político que voltaram à cena neste período, chamamos a atenção para importância da história oral para uma ideia cara a esta pesquisa, o estudo do papel dos atores nas tomadas de decisão, o que pode visibilizar os meandros dos momentos decisórios, nem sempre apreensíveis nos documentos de arquivo. As construções narrativas, por sua vez, evidenciam formações, conflitos geracionais, mudanças de chave na participação dos sujeitos nos processos abordados e são especialmente ricas para a abordagem historiográfica (Amado, Ferreira et al., 2005).
O resultado da ampliação do número de pesquisadores que se utilizam desta metodologia é o crescimento de acervos de histórias de vida e temáticos, que procuraram recuperar interpretações dos sujeitos dos seus próprios processos constitutivos, na relação com suas práticas sociais e envolvimento em carreira, histórias institucionais, de movimentos sociais, organizações políticas entre outros. Nesta perspectiva, as entrevistas realizadas com essa metodologia objetivam não apenas preencher lacunas em termos informacionais, mas construir um tipo de fonte documental que aumenta, em larga medida, a profundidade das análises. Nesta perspectiva, a história oral, para este projeto, vem ao encontro do objetivo de revalorizar a ação de atores políticos, suas estratégias, formas de engajamento, mobilização, tornando relevante o papel dos relatos pessoais e a abordagem biográfica para a compreensão dos movimentos históricos. A seleção dos depoentes terá como base a participação efetiva na construção de políticas públicas em Saúde, no Estado de São Paulo, no período da redemocratização do país (entre 1983-1994), quando da estruturação do AIS, SUDS e SUS em âmbito nacional. Momento em que procuraremos investigar a relação dialógica estabelecida nas relações entre os entes federados na estruturação de um sistema único de saúde nacional, com maior autonomia de gestão por parte de estados e municípios. A pesquisa seguirá todas as normativas legais que envolvam pesquisas com seres humanos, conforme previsto pela Resolução 196 e será submetido ao Comitê de Ética da Santa Casa de forma a complementar o estudo anteriormente realizado e relatado acima.