Quando: 17 de abril de 2024
Onde: Ambiente Virtual
Na trajetória de Álvaro Escrivão Junior, a saúde pública se desdobra como campo de ação e reflexão. Com uma carreira marcada por posições significativas na Grande São Paulo, Escrivão Junior desempenhou um papel crucial na implementação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e coordenou um núcleo de epidemiologia no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Seu trabalho se estendeu durante a administração de Luiza Erundina na prefeitura paulista, onde enfrentou desafios tanto políticos quanto burocráticos, refletindo as complexidades de gerir saúde pública em meio a uma metrópole em constante evolução.
Atualmente, como coordenador geral do Observatório de Saúde da Região Metropolitana de São Paulo, Alvaro lidera a análise de saúde em uma das maiores e mais complexas regiões urbanas do país. Na entrevista, ele discute os inícios deste observatório, uma iniciativa liderada por figuras como Pedro Dimitrov e José Enio Sevilha Duarte, que viu a necessidade de um olhar aprofundado sobre os desafios de saúde dos 39 municípios que compõem a região metropolitana de São Paulo.
Escrivão Júnior compartilha experiências de seu envolvimento em greves e negociações durante períodos políticos conturbados, e como essas vivências moldaram suas políticas e práticas atuais. Seu relato oferece uma visão detalhada das operações internas e das decisões estratégicas tomadas em resposta a crises de saúde, como a epidemia de AIDS nos anos 80 e os desafios enfrentados com a introdução do PAS, destacando a permanente necessidade de adaptação e inovação no setor público de saúde.
Nelson Ibañez: Por favor, compartilhe conosco detalhes sobre sua trajetória durante esse período. Gostaríamos de entender como você se envolveu, quais papéis desempenhou e qual foi a sua influência nesse contexto. Além disso, como você percebeu e interpretou os eventos e mudanças ocorridos? Esta visão é essencial para compreendermos melhor as dinâmicas e o impacto de suas ações.
Álvaro Escrivão Jr: Sou natural de Rio Claro, no interior do estado, e me formei na Faculdade de Medicina de Botucatu, que na época ainda era um instituto isolado, antes de se tornar parte da Unesp. Durante meu período em Botucatu, tive o privilégio de ser influenciado por figuras marcantes na área de Saúde Pública, como a professora Cecília Magaldi, o professor Eurivaldo Sampaio e Pedro Dimitrov, este último um colaborador próximo de João Yunes e do pessoal na secretaria de saúde, incluindo o Leser. Essas interações foram decisivas para despertar meu interesse pela Saúde Pública.
Posteriormente, segui para o Rio de Janeiro para realizar minha residência médica na UERJ, sob a orientação de Hésio Cordeiro. Essa experiência foi enriquecedora, pois me permitiu conhecer a perspectiva carioca sobre a reforma sanitária. Apesar de não ter me adaptado bem à vida no Rio, a oportunidade de participar de um projeto inovador da secretaria de saúde foi fundamental. Esse projeto oferecia um curso curto de Saúde Pública, no qual, após ser aprovado em uma prova, recebia-se uma bolsa durante o curso e, na sequência, a possibilidade de um emprego na secretaria de saúde.
No entanto, durante o segundo ano da residência, percebi que não havia uma proposta clara para a continuação do meu treinamento na área de Saúde Pública na ENSP, na Fiocruz. Diante disso, consultei a possibilidade de retornar a São Paulo, e com autorização de Hésio, fiz isso. Em São Paulo, completei o curso curto de Saúde Pública na Faculdade de Saúde Pública como parte da minha residência.
Como foi esse primeiro ano da residência lá no Rio? O que você fazia?
O primeiro ano da minha residência foi extremamente enriquecedor, sendo denominado residência de medicina integral. Para mim, que já havia passado por dois anos de internato em Botucatu, esse período funcionou como uma extensão dessa experiência. A proposta, idealizada por Jaime Landmann e apoiada por figuras como Hésio, Nina e até Nelson de Moraes, que ocasionalmente dava aulas, era formar médicos com um perfil semelhante ao de médicos de família, que posteriormente levariam a medicina para o interior. A ideia central era não apenas interiorizar médicos, mas sim programas de saúde completos.
Durante esse período, tivemos experiências práticas em diversas clínicas e um ambulatório de saúde integral que operava aos sábados, proporcionando uma oportunidade prática valiosa para aplicar nosso aprendizado. Éramos dez residentes, e embora nem todos estivessem inicialmente inclinados a seguir na Saúde Pública, a ideia da medicina integral nos cativou. Alguns dos meus colegas, como Maria do Carmo Leal, conhecida como Duca, também seguiram nessa direção.
Um dos pontos altos da residência foi a oportunidade de participar da montagem da unidade de saúde de Austin, em Nova Iguaçu. Lutamos para estar presentes na implantação, o que foi uma experiência transformadora. Participamos de todo o planejamento e, no primeiro dia de operação da unidade, a demanda foi tão grande que a fila dobrava o quarteirão, um reflexo da severa carência de recursos naquela localidade. Essa experiência de ver o lado programático da saúde se transformar em uma resposta emergencial foi uma das mais marcantes da minha carreira.
Após essa experiência, retornei a São Paulo para continuar minha formação na Faculdade de Saúde Pública. Paralelamente, minha então esposa, mãe dos meus filhos, estava fazendo residência em pediatria na Santa Casa sob a orientação de Jacob Renato Woiski.
Como foi sua mudança para São Paulo?
Após o curso de saúde pública, enquanto ainda completava minha residência, tive a oportunidade de estagiar no Centro de Saúde da Barra Funda com Vranjac e no laboratório regional com Eliseu, que na época era diretor dos laboratórios regionais do Lutz. Nesse período, colaborei com Eliseu e Oswaldo Donini, um residente da Santa Casa que era meu parceiro frequente, na criação de um manual para o laboratório.
Minha carreira formal começou no DRS1. Embora tenha passado brevemente pelo Centro de Saúde de Pinheiros, logo me envolvi na implantação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica na Grande São Paulo, um projeto que conduzi ao lado de Oswaldo Donini e Lilia Blima Schraiber, sob a liderança de Lygia Busch Iversson, também conhecida como Ligia Maravilha. Esse projeto foi crucial para o desenvolvimento da vigilância epidemiológica na região e marcante em minha carreira.
Posteriormente, Lilia se transferiu para a universidade, e Oswaldo seguiu para o Ministério da Saúde em Brasília, com Edimur Flávio Pastorello. Enquanto isso, permaneci no DRS-1, que era um ambiente bastante conservador, com alguns membros ainda ligados à ditadura. Felizmente, contávamos com a proteção do secretário Adib, que mantinha a situação sob controle.
Avançando na carreira, fui para a Coordenadoria de Saúde da Comunidade, onde Vranjac era o coordenador. Lá, assumi a direção do serviço de epidemiologia para o estado inteiro. Uma das minhas contribuições mais significativas foi a implantação do Treinamento Básico de Vigilância Epidemiológica (TBVE) em todo o estado, uma iniciativa pioneira e transformadora.
Apesar do sucesso nesses projetos, encontrei dificuldades para navegar as complexidades das políticas internas da Secretaria de Saúde. Isso me levou a deixar meu cargo e assumir a presidência da Associação dos Médicos Sanitaristas durante a gestão do secretário Mercadante, embora na época eu não me lembre exatamente se o secretário era Adib ou Leser.
Mas você saiu da carreira de sanitarista?
Não! Aproveitei uma oportunidade única que surgiu naquela época. Eu precisava concluir meu mestrado, que estava atrasado há oito anos, e o prazo final estava se aproximando rapidamente. Foi então que surgiu a chance de ficar à disposição da associação. Assumi a presidência da associação, mas mantive meu cargo de sanitarista. Isso me permitiu gerenciar minhas responsabilidades enquanto finalizava o mestrado.
Você mencionou as divergências políticas durante sua gestão. Explicite um pouco melhor o que aconteceu.
Considerando que essa foi uma época de formação de partidos e frentes políticas, poderia explicar como você abordou e gerenciou essas questões políticas no seu papel como presidente da associação? Qual foi o impacto político de sua liderança naquela conjuntura?
A associação desempenhou um papel crucial por muito tempo, servindo como a voz neutra que a imprensa frequentemente buscava. Por exemplo, durante uma epidemia de sarampo, a secretaria hesitava em reconhecê-la como tal. Esta não era uma epidemia comum; era caracterizada por mortes entre a população pobre, em áreas vulneráveis, exacerbada pela escassez de vacinas. Embora essa falta não afetasse significativamente a classe média — que podia simplesmente retornar quando as vacinas estivessem disponíveis —, a população mais pobre, desprovida de tal flexibilidade e já desnutrida, sofria o impacto direto, resultando em mortes por complicações como pneumonia. Essa situação poderia ser interpretada de diferentes maneiras, dependendo da perspectiva.
Naquele período, sendo presidente da Associação e simultaneamente diretor do Serviço de Epidemiologia, optei por não me envolver publicamente para evitar conflitos de interesse. No entanto, meu predecessor, Jorge Kayano, fez declarações à imprensa sobre a epidemia, levando a contestações por parte de figuras como João Yunes e Mercadante, criando uma tensão considerável, na qual me encontrava no centro.
Eventualmente, cheguei a um ponto em que não tinha mais espaço para manobrar. Yunes ficou irritado porque ele havia convocado uma coletiva de imprensa, à qual nem eu nem o Vranjac comparecemos, o que o deixou bastante frustrado. Eu já estava desgastado devido a desentendimentos com um assessor de Yunes, que não era parte do nosso grupo original, mas sim de um partido da base aliada. Em uma reunião, ao revisar os dados que mostravam claramente a queda na cobertura vacinal e o aumento da incidência e mortalidade, apresentamos um gráfico inovador criado pelo Pedro Veneziani, que infelizmente já faleceu. Durante a coletiva, Yunes, visivelmente tenso, pediu-me que explicasse o gráfico. Quando questionado pela imprensa sobre a queda na cobertura vacinal, acabei mencionando que era devido à falta de vacinas fornecidas pelo Ministério.
Isso levou a um momento tenso quando o assessor me repreendeu, dizendo que eu não deveria ter feito aquela afirmação, seguindo as instruções do secretário. A situação escalou quando, após a coletiva, o Mercadante me confrontou, enfatizando que aquela não era a maneira de discutir publicamente o assunto. Desgastado com essa política restritiva, fui realocado para o Serviço de Epidemiologia Estatística da Coordenadoria. Ao ser entrevistado para a posição pelo Arnone, um coordenador de direita indicado anteriormente por Jatene, expressou claramente as condições: não queria política no local. Eu, por minha vez, quis garantir minha liberdade para formar minha equipe e manter a integridade dos dados. Ele concordou com minhas condições, e isso marcou o início de um período desafiador na minha carreira.
Prossegui com a formação da equipe conforme planejado, trazendo pessoas de confiança como Gerusa, Márcia Caraça, Márcia Oliveira, Vitor Wunsch e Socorro, entre outros. Com essa equipe robusta, iniciamos a implementação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica no estado de São Paulo, estendendo nossas atividades às diversas regiões. Desde o início, mantive um compromisso com a transparência dos dados, uma condição que tinha estabelecido com o Arnone. Com a substituição de Arnone por Vranjac, senti-me mais confortável, dada a natureza mais técnica de Vranjac, em contraste com o enfoque político de Mercadante.
Essa mudança permitiu um trabalho mais efetivo?
Sob a liderança de Vranjac, enfrentamos vários desafios, incluindo uma ameaça de ruptura de represa no Vale do Ribeira durante uma inundação, evento que coincidiu com a identificação do primeiro caso de AIDS no estado, notificado por Edmur Flávio Pastorello. Naquela época, encontrava-me na coordenadoria quando Jean Claude Bernadet me contatou sobre o caso, perguntando sobre as ações da secretaria. Informei que o caso ainda não havia sido oficialmente notificado e que ele deveria garantir a notificação formal, o que foi prontamente organizado.
Após a notificação, organizei uma reunião com representantes do movimento de AIDS e especialistas em saúde, incluindo médicos que diagnosticaram o caso. Durante o encontro, enfatizei a importância da notificação obrigatória de tais casos, uma medida essencial para a resposta efetiva de saúde pública. Isso marcou o início de um trabalho organizado sobre AIDS no estado, enfatizando a importância de uma abordagem colaborativa e bem-informada para enfrentar essa crise de saúde.
No início dos anos 80, você estava integrado ao centro da coordenação epidemiológica do Estado, em um período crítico que coincide com o surgimento da epidemia de AIDS. Poderia descrever como foi o impacto inicial dessa crise na sua área de trabalho e como você percebeu a evolução da situação naquela época?
O início da epidemia de AIDS foi um período caótico, especialmente porque o conhecimento sobre a doença ainda era muito limitado. Minha principal fonte de informação era o MMWR, um boletim do CDC de Atlanta, que naquela época ainda discutia a AIDS principalmente como ‘peste gay’, uma hipótese inicialmente associada exclusivamente à comunidade homossexual. Isso estava começando a ser questionado, mas ainda era uma visão prevalente.
Nesse contexto, meu trabalho rapidamente se voltou para a educação e comunicação sobre a AIDS, uma vez que a imprensa estava intensamente focada no assunto. Chegou ao ponto de que o Dr. João Yunes e Paulo Teixeira decidiram liderar a resposta ao HIV/AIDS, o que achei positivo, pois permitiu que eu me concentrasse em outras responsabilidades urgentes.
Adotamos a ficha epidemiológica do CDC, com adaptações necessárias, para iniciar a investigação sistemática dos casos. Miriam Vontobel, do CIS, que era um núcleo central no sistema, teve um papel importante nesse processo, juntamente com Chester Luiz Galvão César. Posteriormente, José Cássio de Moraes assumiu essa coordenação.
Finalmente, transferimos a gestão da situação para Paulo Teixeira e sua equipe no Instituto de Saúde, que já trabalhava com DSTs. Eles integraram a AIDS ao seu escopo de trabalho, o que ajudou a consolidar a abordagem ao tratamento e prevenção da doença no estado.
Após seu envolvimento inicial, você continuou no centro de vigilância e houve a formação de um grupo especializado. Poderia detalhar como e por que esse grupo foi criado e quais foram suas principais funções?
Eu não me juntei ao Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) logo após sua criação. Embora tenha participado das discussões iniciais sobre a formação do CVE, dois eventos significativos influenciaram minha decisão de não integrar o centro. Primeiramente, houve um estranhamento profissional entre mim e a equipe da secretaria, exacerbado após João Yunes expressar frustração significativa comigo, mais do que com Vranjac, devido à nossa ausência em uma coletiva de imprensa e falta de interação subsequente.
Além disso, meu mestrado estava seriamente atrasado, e eu precisava dedicar tempo para completá-lo, especialmente porque meu orientador, o Guedes, exigia bastante de mim nesse período. Curiosamente, muitas de nossas sessões de orientação ocorriam no carro oficial enquanto ele se deslocava entre compromissos, o que reflete a intensidade desse tempo.
Durante esse período, também estava envolvido em movimentos trabalhistas, incluindo uma greve prolongada que exigia negociações constantes. Embora eu não tivesse grande afinidade com o Sindicato dos Médicos liderado por Arlindo Chinaglia, era necessária minha presença nas reuniões e no comando de greve. A greve resultou em um aumento salarial significativo para os profissionais com remunerações mais baixas, embora para nós, o aumento de dois mil reais não representasse muito. Essa greve foi marcante e ocorreu enquanto eu ainda exercia o cargo de presidente da associação.
O Guedes já estava como secretário municipal …
Minha experiência com o Guedes durante a greve foi única. Por ser muito ocupado, ele muitas vezes me orientava enquanto viajávamos em seu carro oficial, o que criava um ambiente de discussão intenso. Lembro-me de um episódio em que tivemos que atravessar o comando de greve para chegar a uma reunião no Palácio dos Bandeirantes. Me escondi no banco do carro, preocupado em ser reconhecido e acusado de ser um traidor, já que fazíamos orientação ali mesmo, no carro.
Após a eleição de Luiza Erundina, a dinâmica na prefeitura mudou significativamente, pois ela não estava vinculada às coalizões políticas que fragmentavam a gestão anterior. Isso permitiu que iniciativas como o PROAIM fossem implementadas com menos obstáculos. O PROAIM era vital para integrar serviços essenciais como o serviço funerário, que monopolizava os enterros em São Paulo e era essencial para coletar dados de óbitos, algo crucial para o sistema de saúde municipal. Naquela época, o desafio tecnológico era grande, pois dependíamos de sistemas de grande porte, e a prefeitura mal tinha microcomputadores funcionais.
A PRODAM, uma empresa municipal, e o Serviço Funerário, uma autarquia, cada um controlado por um grupo político diferente, precisavam ser alinhados sob a Secretaria Municipal de Saúde, que era liderada por Guedes. Com a eleição de Erundina, aproveitamos a oportunidade para formalizar essa colaboração através de um decreto. Eduardo Jorge, que sucedeu ao Guedes, estava aberto à ideia e rapidamente mobilizamos o necessário para implementar o PROAIM.
Essa fase foi marcada por intensas negociações e discussões, mas com a habilidade de Paulo Elias, assessor parlamentar da Erundina, conseguimos avançar apesar das resistências na Câmara Municipal. Esses esforços e estratégias são bem documentados no livro ‘Memória… Epistemologia e Informação na Secretaria Municipal, de 89 a 2001’, que detalha essas transformações e o impacto delas no sistema de saúde municipal.
Álvaro, ao revisitar sua trajetória, que aspectos você gostaria de destacar? Suas histórias oferecem uma perspectiva detalhada sobre desafios específicos, como a situação com o sarampo e a articulação política necessária em seu trabalho. Esses detalhes ajudam a entender melhor os contextos que você enfrentou. Como essas experiências, especialmente durante o período de transição política no fim da ditadura, influenciaram suas ações e decisões na área da saúde pública?
Como eu mencionei anteriormente, no DRS1, onde o diretor tinha ligações com o DOPS, enfrentamos várias restrições. Durante uma greve em que a pressão para aderirmos era intensa, Lília, Oswaldo e eu decidimos que entraríamos em greve, e incentivamos nossos funcionários a decidirem por si mesmos. Apesar disso, apenas o Serviço de Epidemiologia aderiu oficialmente. Após a greve, diferentemente de outros setores, nosso serviço se comprometeu a pagar todos os dias parados aos funcionários que aderiram à greve, mantendo a solidariedade com a equipe.
Lembro-me de ir trabalhar com um adesivo de anistia no carro durante o período da anistia, enfrentando olhares hostis. Esse era o clima da época. Mais tarde, durante a gestão de Erundina na prefeitura, conseguimos implementar várias iniciativas significativas. Por exemplo, fomos o primeiro município no Brasil a aderir ao programa de cidades saudáveis, em parceria com Toronto, Canadá. Também integramos o INTERCUR em todo o sistema de informação que estávamos reformulando, o que foi uma parte crucial dos nossos esforços para melhorar a gestão de saúde pública. Essas experiências, bem documentadas, foram fundamentais durante a gestão da Erundina.
E a gestão municipal com a Erundina?
Dentro da gestão da Erundina, tínhamos figuras notáveis como Paulo Freire, Paul Singer e Aldaíza Sposati, além de outros igualmente importantes cujos nomes marcam a época. Essa equipe enfrentou o desafio de tentar implementar diversas iniciativas ambiciosas em apenas quatro anos, uma tarefa complicada com a minoria na Câmara Municipal. Apesar dessas limitações, conseguimos iniciar a implementação do Programa de Saúde da Família. Durante esse período, Eduardo Jorge, que era o secretário de saúde, tinha uma relação muito produtiva com o ministro da saúde da época, não lembro se foi o Alcenir Guerra, essa boa relação facilitou diversas iniciativas, incluindo a transição administrativa que herdamos posteriormente.
Conseguimos avançar bastante com o apoio do então ministro da Saúde. Por exemplo, quando assumimos a secretaria que estava sob a gestão de Jânio Quadros, encontramos uma situação difícil. Na área de informática que eu coordenava, o gestor anterior havia feito pagamentos antecipados para a informatização através do sistema Palar, mas as empresas não haviam entregado nada, deixando-nos sem como implantar o sistema necessário.
Essa situação era bastante complicada. No entanto, conseguimos uma intervenção do DataSUS para implementar o sistema no Campo Limpo, na Zona Sul. Embora o sistema estivesse pago, nada havia sido instalado até então. Com a negociação entre Serra e Eduardo Jorge, o DataSUS implantou o HOSPUB, um software de informatização hospitalar. Essa foi uma experiência muito proveitosa.
Infelizmente, a continuidade desse progresso foi interrompida quando Maluf e Pita assumiram, com a implementação do PAS. Essa foi a realidade que enfrentamos.
Essa experiência no município foi incrível, mas chegou um momento em que precisei concluir outros compromissos. Então, quando o PAS foi introduzido, tivemos que decidir se aderiríamos à cooperativa. Escolhi não aderir e, como resultado, me senti marginalizado, já que todas as atividades estavam centralizadas no PAS. Parece que hoje a situação é semelhante com as OSs controlando tudo, o que pessoalmente considero problemático.
Sem muitas responsabilidades, fui alocado em Pirituba, onde passava manhãs inteiras sem tarefas significativas, o que era extremamente frustrante para mim. Muitos médicos estavam satisfeitos com essa falta de atividade, mas eu não. Isso se tornou evidente especialmente durante a gestão de Marta Suplicy, quando houve tentativas de aumentar a carga de trabalho dos médicos, que não foram bem recebidas.
Diante dessa situação, consegui uma posição no Departamento de Medicina Preventiva da USP, onde passei a dar aulas e colaborar em projetos. Por exemplo, a pedido de Vicente Amato Neto, coordenei a implantação do núcleo de epidemiologia do Hospital das Clínicas. Essa foi uma fase produtiva, mas minha volta à prefeitura foi breve e não muito bem-sucedida sob a gestão da Marta.
Eventualmente, surgiu a oportunidade de me envolver com o Observatório de Saúde da Região Metropolitana de São Paulo, um projeto liderado por Pedro Dimitrovi. Este ano, o Observatório completou vinte anos, e tenho estado envolvido com ele desde o início.
Você poderia detalhar a origem do Observatório de Saúde? Estou interessado em entender como essa iniciativa, que parece ser uma experiência bastante única de registro e análise, foi concebida. Como vocês desenvolveram a ideia desse observatório?
O Observatório de Saúde da Região Metropolitana foi uma iniciativa liderada principalmente por Pedro Dimitrovi, junto com José Enio Sevilha Duarte, que era do COSEMS. Naquela época, Luiz Roberto Barradas era o Secretário de Estado e Humberto Costa era o Ministro da Saúde. Eles perceberam que os 39 municípios da região metropolitana careciam de uma análise concentrada em saúde pública, o que motivou a criação do observatório.
Eles assinaram um protocolo de intenções, com a participação de várias autoridades, incluindo possivelmente Eduardo Jorge. O objetivo era analisar as questões de saúde da região metropolitana através de seis eixos temáticos. Estes eixos incluem ‘Condição de vida e saúde’, que eu coordeno, e ‘Capacidade instalada’, coordenado por Marília Louvison e Oswaldo Doni. ‘Financiamento e gasto’ é coordenado por Zé Alexandre e Neide Hasegawa, ‘Força de trabalho’ por Arnaldo Sala e Clóvis, que é professor da GV, ‘Gestão do conhecimento’ por Marco Akerman e Pedro Dimitrovi, e ‘Participação e controle social’ por Cláudia Bogos e Cleide Laviere Martins.
Atualmente, sou o coordenador geral, assumindo após Pedro Dimitrovi. O site do observatório, acessível publicamente, oferece mais informações e resultados dos estudos conduzidos. A principal ideia é selecionar questões específicas para estudo detalhado dentro desses eixos.
Na nossa conversa, destaquei o papel fundamental da equipe do PROASA (Programa de Observação e Análise de Saúde) na condução de estudos e na criação de documentos essenciais para os municípios da região. Como coordenador da residência do PROASA, acompanhei de perto esses projetos, promovendo encontros e seminários abertos para que todos pudessem contribuir com suas ideias e sugestões. Foi uma experiência enriquecedora que fortaleceu o trabalho em equipe e gerou resultados valiosos.
Após o término do PROASA, nossa equipe se mudou para a Faculdade de Saúde Pública, onde o Observatório agora é parceiro. Atuamos em estreita colaboração com o Departamento de Política e Gestão da Faculdade, e contamos com a expertise da professora Marília como docente de ligação. Nossa equipe, composta por mim, pelo secretário executivo adjunto Rubens Moldia e por Eduardo Izumino, está instalada no porão da Faculdade, um espaço aconchegante e propício para o desenvolvimento do nosso trabalho.
Nosso site é um portal de conhecimento sobre a saúde pública da Região Metropolitana. Lá, você encontra diversas informações valiosas, principalmente em um painel que aborda temas como COVID e internação hospitalar, revelando as desigualdades presentes na região. Um recurso importante para entendermos melhor a realidade da nossa comunidade e buscarmos soluções conjuntas para construir uma sociedade mais justa e saudável para todos.