Nelson Ibañez é uma figura presente na saúde pública paulista, com uma carreira marcada pela combinação de prática clínica e administração sanitária. Formado em medicina pela Faculdade de Sorocaba, ele foi influenciado pelos movimentos sociais e pela militância política durante a ditadura militar, o que moldou sua visão crítica e engajada na área da saúde. 

Após concluir sua residência em Medicina Social na Santa Casa de São Paulo, onde trabalhou ao lado de renomados profissionais, como os professores José da Silva Guedes e Otavio Mercadante, Nelson dedicou-se a projetos que integravam vigilância epidemiológica e assistência médica. Sua passagem por Cotia, fundamental na implementação de um modelo de saúde pública comunitária, destaca-se como um ponto central em sua carreira. 

Em 1985, Nelson foi convidado para coordenar o Programa Metropolitano de Saúde (PMS), um projeto desafiador, apoiado pelo Banco Mundial, que visava expandir e melhorar a rede de serviços de saúde na Grande São Paulo. Sob sua liderança, o programa conseguiu construir novos hospitais e unidades básicas de saúde, além de integrar os serviços existentes, melhorando significativamente o atendimento à população. 

Ao longo de sua trajetória, Nelson também manteve uma forte presença acadêmica, lecionando na Santa Casa de São Paulo e contribuindo para a formação de novas gerações de profissionais de saúde. Sua abordagem sempre enfatizou a importância de uma visão integrada da saúde, refletindo seu compromisso com a equidade e a justiça social. 

Em entrevista a Guilherme Arantes Mello para o projeto “História e Saúde em São Paulo: Instituições, Ideias e Atores”, Nelson compartilhou reflexões profundas sobre sua carreira e os desafios enfrentados na saúde pública. Sua fala oferece uma visão importante sobre a evolução e o futuro da saúde no Brasil, destacando a necessidade contínua de inovação e compromisso com a melhoria dos serviços de saúde para todos. 

Guilherme Arantes Mello: Nelson, você poderia nos contar um pouco sobre a sua trajetória profissional e pessoal na área de saúde? 

Nelson Ibañez: Entrei na faculdade de medicina em Sorocaba ligada a PUC de São Paulo, em 1967. Minha formação foi bastante influenciada pela conjuntura da época, especialmente pelos movimentos sociais e pela ditadura militar. Eu me envolvi na política. Fui presidente do centro acadêmico e militei no Partido Comunista. Isso me ajudou a entender a conjuntura política e a me envolver com a saúde pública. Durante o curso, busquei uma formação geral, participando de atividades extracurriculares, estágios em vários hospitais e plantões em prontos-socorros. Além disso, participei do Projeto Rondon. Enquanto acadêmico, participei de expedições científicas pelo departamento social do Centro acadêmico. Com orientação do prof. Nelson Rodrigues, fomos para Registro, começamos a fazer um trabalho de inquéritos de tuberculose e trabalhos de campo em vilas operárias. 

A faculdade me proporcionou uma base sólida, mas minha formação foi além das salas de aula. No campo, aprendi muito sobre a realidade social e sanitária do Brasil. Após a formatura, em 1972, optei por uma residência que combinasse formação clínica e saúde pública. Escolhi a Santa Casa de São Paulo, que oferecia um programa de residência em Medicina Social, onde no primeiro ano se passava por diferentes clínicas, aperfeiçoando a formação geral e no segundo ano, o curso longo da Faculdade de Saúde Pública de São Paulo (FSP) da USP. Além disso participava dos cursos de graduação como uma espécie de monitor. Durante a residência, tive a oportunidade de trabalhar com profissionais influentes, como os professores José da Silva Guedes, Otavio Mercadante e José Carlos Seixas e participei de projetos inovadores (Centro de Saúde escola da Barra Funda) na área de saúde pública. Essas experiências moldaram minha visão de como a saúde pública deveria ser abordada, integrando os aspectos clínicos e sociais. 

Guilherme: Como foi a sua experiência já como profissional em Cotia? 

Nelson: Em 1975, fui para Cotia a convite do professor Odair Pedroso e da doutora Lurdes de Freitas Carvalho, então superintendente da Santa Casa de São Paulo, ambos professores de administração hospitalar da FS da USP, que estavam formalizando um projeto de um hospital comunitário em Cotia, iniciado em 1968. 

Qual é a inovação que eles propunham para o Hospital de Cotia? Criar uma associação, um movimento da comunidade com participantes de classe média, com doações e apoio da Secretarias Estaduais de Saúde (SES). O Estatuto da Associação Hospitalar de Cotia rompe com essa concepção de Irmandade da Santa Casa e cria o hospital moderno, em que coloca nos seus objetivos a formação de saúde pública, recursos humanos e a assistência à comunidade. Esse modelo vai construir a ideia da integração: o centro de saúde dentro do hospital. Essa tese do Odair Pedroso vem do hospital rural norte americano, hospital de comunidade, que trabalhava com algumas especialidades, mas também com a tese do Reinaldo Ramos, que falava dessa integração e faz uma retrospectiva da integração sanitária, incluindo sua experiência na Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP).  

Iniciamos com o funcionamento do Centro de Saúde Escola, ligado à Faculdade de Saúde Pública de São Paulo (USP), através de um convênio com a Secretaria de Saúde de São Paulo, com a abertura de leitos hospitalares gerais, convênio com o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e a gente compunha o orçamento que permitia ter uma viabilidade financeira.  Era a criação de uma instituição privada filantrópica, propondo um modelo ligado à universidade, fazendo o ensino e oferecendo um novo modelo assistencial, baseado em uma rede de serviços, com integração sanitária e a incorporação da vigilância junto com a assistência.  

O que de novo também acontecia em Cotia é a construção de um corpo clínico de tempo integral, um movimento de jovens profissionais, que resolve aceitar trabalhar em Cotia e com concursos públicos feitos ou contratados pela própria associação, como o CLT. Criou-se esse movimento e nós começamos a receber toda a herança do Estado. Tinha dois postos de puericultura (CS5). Uma no distrito de Caucaia do Alto, outro na Central e um CS5 no Centro. Tudo isso foi integrado no Centro de Saúde Escola. O hospital ainda estava em construção, mas fui nomeado diretor do Cento de Saúde Escola, ligado à FSP, em convenio com a SES de SP.  A proposta era inovadora, com foco na formação de recursos humanos e na assistência à comunidade. Trabalhamos na construção de uma rede de serviços, incluindo vigilância epidemiológica e sanitária, além de programas de puericultura, vacinação, tuberculose e hanseníase, já na segunda gestão do Professor Walter Leser. Contamos desde o início com o apoio da Santa Casa que nos incluiu no rodízio de residentes da pediatria e da Medicina social. A experiência de Cotia se destacou pela integração entre vigilância e assistência, algo que marcou profundamente a saúde pública local. 

Em Cotia, enfrentamos vários desafios, desde a baixa cobertura vacinal até a falta de infraestrutura adequada. Por exemplo, quando chegamos, a cobertura vacinal era de apenas 23%. Em dois anos, conseguimos aumentar para 90%, implementando um sistema eficiente de vacinação e integrando a vigilância epidemiológica com a assistência. Também criamos programas de pré-natal e puericultura, e trabalhamos para identificar e tratar doenças como tuberculose e hanseníase. Essa abordagem integrada permitiu que desenvolvêssemos um sistema de saúde mais eficiente e abrangente para a população de Cotia. Além disso, a participação ativa da comunidade foi essencial para o sucesso dessas iniciativas. Trabalhamos com líderes comunitários e organizamos campanhas de conscientização que ajudaram a fortalecer a relação entre a população e os serviços de saúde. Quando inauguramos uma ala do hospital com 50 leitos e o PS já tínhamos uma rede de centros de saúde com a referência do hospital integrada e sob comando único. Essa figura vai ser transformada em módulo de Saúde, unificando uma rede de UBS com um hospital no Programa Metropolitano de Saúde (PMS). 

Guilherme: Quais foram suas influências durante sua trajetória? 

Nelson: Tive a honra de ser influenciado por grandes nomes da saúde pública. O professor Guedes e Mercadante foram influência significativas durante minha residência na Santa Casa. Eles defendiam a ideia de que os sanitaristas deveriam ter uma formação clínica sólida, além de atuar nas instituições de saúde pública. Nelson Rodrigues dos Santos, já referido, também foi uma influência importante. Ele não só foi meu mentor em várias ocasiões, mas também um grande amigo e colega de militância política. Aprendi muito com ele sobre a importância de combinar a academia com a intervenção na realidade social. 

Durante o curso longo que fiz na FSP tive uma ligação mais formal com o departamento materno infantil, na figura do Prof. Ciro Ciari, que havia tido uma experiência na gestão municipal de Osasco e foi meu orientador na tese de Mestrado sobre acreditação de serviços de berçário na capital. 

Na área de administração sanitária os professores Rodolfo Mascarenhas e Reinaldo Ramos foram muito importantes. O prof. Odair e a Dra. Lourdes foram referências durante a experiência em Cotia e com o curso de Administração Hospitalar. Além disso, tive contato com muitos outros profissionais influentes, como a Regina Marsiglia e o professor Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão, que também contribuíram para minha formação. Cada um deles me ensinou algo valioso sobre como abordar a saúde pública de maneira integrada, sempre com o foco na melhoria das condições de vida da população. Trabalhar com esses profissionais me permitiu desenvolver uma compreensão mais profunda das complexidades da saúde pública e da necessidade de uma abordagem multifacetada para enfrentar os desafios sanitários do país. 

Guilherme: Como foi a sua atuação na Santa Casa durante esse período? 

Nelson: Durante todo esse período, mantive minha atuação na Santa Casa de São Paulo, onde dava o curso de Ciências Sociais Aplicadas à Medicina. Esse curso me permitiu explorar de maneira mais profunda as relações entre o social e o médico, e aplicar esses conhecimentos tanto na minha prática clínica quanto na saúde pública. Levava os alunos para a enfermaria e para o centro de saúde, onde eles podiam ver na prática a integralidade do atendimento ao paciente. 

A integração com a Santa Casa foi essencial para a formação dos residentes e para a implementação de práticas inovadoras em saúde pública. A experiência de Cotia serviu como um campo de treinamento para muitos desses residentes, que depois levaram esses conhecimentos para outras regiões e instituições. Esse intercâmbio constante entre a teoria e a prática foi fundamental para o desenvolvimento de um modelo de saúde pública mais eficiente e humanizado. 

No curso de Ciências Sociais Aplicadas à Medicina, abordávamos temas como a relação médico-paciente, a importância do contexto social na saúde e a necessidade de uma visão integrada do cuidado. Esses princípios eram então aplicados na prática, tanto em Cotia quanto nas atividades da Santa Casa. Essa combinação de ensino teórico e experiência prática ajudou a formar uma nova geração de médicos e sanitaristas com uma visão ampla e integrada da saúde pública. 

Guilherme: E como foi a transição para a gestão do Programa Metropolitano? 

Nelson: Eu participei ativamente em 1982, já em Cotia, do grupo de saúde que se reunia na Rua Madre Teodora, onde foi elaborada uma proposta coordenada pelo Prof. João Yunes para o Governo Franco Montoro. Nessa época fui convidado a integrar a equipe da Coordenadoria hospitalar da SES, tornando-me posteriormente seu coordenador. A experencia na gestão colegiada da SES nesse momento compartilhada fundamental em minha formação. Dada minha experiencia em Cotia de buscar uma integração entre hospital e rede básica (modelo SILOS), com a assinatura do convenio com o Banco Mundial em 1985, fui convidado pelo Yunes para coordenar o Programa Metropolitano. A experiência de Cotia foi incorporada a esse programa, que buscava expandir a rede de serviços na Grande São Paulo, incluindo a construção de hospitais e unidades básicas de saúde. Esse projeto iniciado na gestão do Prof. Adib Jatene foi aprovado pelo Banco Mundial e marcou um grande investimento na gestão da saúde pública, criando metodologias e fortalecendo a política de saúde na região metropolitana. 

Trabalhamos com uma equipe renovada e focamos na integração dos serviços hospitalares com a saúde da comunidade.   

A coordenação do Programa Metropolitano foi um grande desafio, mas também uma oportunidade única. O programa tinha como objetivo criar uma rede de serviços de saúde que atendesse de maneira mais eficiente a população da Grande São Paulo. Trabalhamos na construção de novos hospitais e unidades básicas de saúde, além de integrar esses serviços com a comunidade local. Foi um trabalho árduo, mas conseguimos implementar um sistema que melhorou o acesso e a qualidade dos serviços de saúde na região. A aprovação pelo Banco Mundial foi um reconhecimento importante do potencial e da relevância do nosso trabalho, permitindo-nos acessar os recursos necessários para transformar nossa visão em realidade. 

Guilherme: Quais foram os principais desafios que você enfrentou na implementação do Programa Metropolitano? 

Nelson: Um dos principais desafios foi a reestruturação dos hospitais existentes e a construção de novos hospitais e unidades básicas de saúde na periferia de São Paulo. A Grande São Paulo tinha uma imensa demanda por serviços de saúde e muitos hospitais estavam superlotados e mal equipados. Tivemos que trabalhar duro para transformar esses hospitais em unidades de atendimento mais eficientes e bem integradas com a rede de saúde local. 

Outro desafio foi a formação e capacitação de recursos humanos. Precisávamos de profissionais bem treinados para operar os novos serviços de saúde e garantir que a população recebesse um atendimento de qualidade. Implementamos programas de formação e residência em saúde pública para garantir que tivéssemos uma equipe qualificada e preparada para enfrentar os desafios da saúde pública na região. Trabalhamos também na motivação e retenção desses profissionais, oferecendo condições de trabalho adequadas e oportunidades de crescimento dentro do sistema de saúde. 

A integração entre a assistência hospitalar e a saúde da comunidade também foi um desafio. Tínhamos que garantir que os novos hospitais e unidades básicas de saúde trabalhassem de maneira coordenada, compartilhando informações e recursos para oferecer um atendimento integral aos pacientes. Isso exigiu um esforço de planejamento e coordenação, mas os resultados foram extremamente positivos. Implementamos sistemas de informação para monitorar e avaliar o desempenho dos serviços de saúde, o que nos permitiu fazer ajustes e melhorias contínuas. Esse processo irá evoluir para a reforma mais profunda da SES com a criação dos Escritórios Regionais de Saúde (ERSAs) em todo o estado, integrando as diferentes Coordenadorias existentes (mental, hospitalar, comunidade e serviços técnicos).  

Além disso, enfrentamos desafios relacionados ao financiamento e à gestão dos recursos. Foi necessário negociar com diversas partes interessadas, incluindo governos locais e organizações internacionais, para garantir o apoio e os recursos necessários para a implementação do programa. A transparência e a responsabilidade na gestão desses recursos foram cruciais para o sucesso do Programa Metropolitano. 

Guilherme: Qual foi o impacto do Programa Metropolitano na saúde pública de São Paulo? 

Nelson: O impacto do Programa Metropolitano foi profundo e duradouro. Conseguimos expandir a rede de serviços de saúde na Grande São Paulo, melhorando o acesso e a qualidade do atendimento para milhões de pessoas. A construção de novos hospitais e unidades básicas de saúde reduziu a sobrecarga nos hospitais existentes e permitiu que a população recebesse atendimento mais próximo de suas casas. 

A integração entre a assistência hospitalar e a saúde da comunidade criou um sistema de saúde mais coeso e eficiente. Conseguimos melhorar a vigilância epidemiológica, aumentar a cobertura vacinal e implementar programas de prevenção e tratamento para doenças como tuberculose e hanseníase. Esses avanços foram possíveis graças à dedicação e ao trabalho árduo de uma equipe comprometida e bem treinada. 

O Programa Metropolitano também deixou um legado importante em termos de políticas públicas. As metodologias e práticas implementadas durante o programa serviram de modelo para outras regiões e influenciaram a formulação de políticas de saúde em nível estadual e nacional. Foi uma experiência transformadora, tanto para mim quanto para a saúde pública em São Paulo. 

O programa também teve um impacto significativo na formação de profissionais de saúde. Os programas de residência e capacitação que implementamos ajudaram a formar uma nova geração de médicos e sanitaristas com uma visão integrada da saúde pública. Esses profissionais levaram os conhecimentos e experiências adquiridos no Programa Metropolitano para outras regiões e instituições, multiplicando os efeitos positivos do programa. E, como já foi referido, ele tem importante papel na reforma mais profunda da SES com a criação dos ERSAS. 

Guilherme: Como foi o relacionamento com as comunidades locais durante a implementação do Programa Metropolitano? 

Nelson: O relacionamento com as comunidades locais foi fundamental para a implementação do Programa Metropolitano. Desde o início, trabalhamos para envolver a comunidade no processo de planejamento e implementação dos novos serviços de saúde. Organizamos reuniões comunitárias, workshops e campanhas de conscientização para garantir que a população entendesse os objetivos do programa e como poderia se beneficiar dele. 

A participação ativa da comunidade ajudou a fortalecer a relação entre os serviços de saúde e a população local. As comunidades se sentiram parte do processo e se tornaram parceiras na implementação do programa. Isso foi essencial para garantir a adesão aos novos serviços e programas de saúde, como as campanhas de vacinação e os programas de prevenção de doenças. 

Além disso, trabalhamos para garantir que os serviços de saúde fossem culturalmente sensíveis e acessíveis a todos os membros da comunidade. Isso incluiu a capacitação de profissionais de saúde em habilidades de comunicação intercultural e a implementação de programas de educação em saúde adaptados às necessidades específicas das diferentes comunidades. 

Guilherme: Qual o balanço que você faz da sua trajetória?  

Nelson: Na qualidade de gestor público, a experiência adquirida na gestão do SILOS em Cotia me permitiu ver a saúde como sistema e a importância da integração sanitária. Acredito que a integração entre esses dois aspectos é essencial para um sistema de saúde eficiente e capaz de responder de maneira adequada às necessidades da população. Ainda a possibilidade de estabelecer uma nova relação público-privada para a implementação do SUS. 

A experiência na gestão e implementação do Programa Metropolitano na SES também foi significativo. Em outra escala tive a possibilidade de ver que é possível criar uma rede de serviços de saúde eficiente e integrada, mesmo em áreas com grandes desafios socioeconômicos.  

Do ponto de vista da docência, minha experiência com inserção nos cursos de graduação da Santa Casa e na formação de residentes nessa área foram fundamentais para a constante atualização e revisão dos conteúdos e incentivo à participação em pesquisas. Meu doutorado na FSP realiza o estudo de caso da experiência do SILOS de Cotia e minha livre docência foi sobre uma análise da municipalização na grande São Paulo, após a criação do SUS. 

Guilherme: Quais são suas reflexões sobre o futuro da saúde pública no Brasil? 

Nelson: O futuro da saúde pública no Brasil enfrenta muitos desafios, mas também há oportunidades. Um dos principais desafios é a necessidade de fortalecer e expandir o Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é uma conquista importante, mas precisa de investimentos contínuos e de uma gestão eficiente para garantir que todos os brasileiros tenham acesso a serviços de saúde de qualidade. 

Outro desafio é a formação de recursos humanos. Precisamos continuar investindo na formação e capacitação de profissionais de saúde que compreendam a importância de uma abordagem integrada e holística da saúde pública. Isso inclui não apenas médicos e enfermeiros, mas também outros profissionais de saúde, como assistentes sociais e agentes comunitários de saúde. 

A integração entre a vigilância epidemiológica e a assistência médica continua a ser uma prioridade. A pandemia de COVID-19 destacou a importância de sistemas de saúde robustos e bem integrados, capazes de responder rapidamente a emergências de saúde pública. Precisamos aprender com as lições da pandemia e fortalecer nossa capacidade de vigilância e resposta. 

Finalmente, acredito que o futuro da saúde pública no Brasil depende de um compromisso contínuo com a justiça social e a equidade. Precisamos garantir que todos tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade, independentemente de sua situação socioeconômica. Isso requer não apenas investimentos em infraestrutura de saúde, mas também políticas públicas que abordem os determinantes sociais da saúde, como educação, habitação e emprego. 

Guilherme: Como você vê a evolução da saúde pública desde o início de sua carreira até os dias de hoje? 

Nelson: A saúde pública no Brasil evoluiu desde o início da minha carreira. Quando comecei, estávamos em um período de transição, com muitas mudanças sociais e políticas impactando o sistema de saúde. A transição no período de democratização foi fundamental com as experiências estaduais nas Ações Integradas de Saúde (AIS) e do Sistema Unificado Descentralizado de Saúde (SUDS) para uma visão mais sistêmica e com participação social. A criação do SUS foi um marco importante, estabelecendo um sistema de saúde universal e acessível para todos os brasileiros. No entanto, a implementação do SUS trouxe desafios imensos, incluindo a necessidade de financiamento adequado e a gestão eficiente dos recursos. 

Ao longo dos anos, vimos avanços importantes na cobertura e na qualidade dos serviços de saúde. Estratégias como o Saúde da Família e as campanhas de vacinação em massa contribuíram para melhorias significativas nos indicadores de saúde. No entanto, ainda enfrentamos desafios, como as desigualdades regionais e socioeconômicas no acesso aos serviços de saúde. 

A pandemia de COVID-19 destacou tanto os pontos fortes quanto as fragilidades do nosso sistema de saúde. Por um lado, vimos a importância de ter um sistema de saúde público robusto e universal. Por outro, a pandemia também expôs as deficiências na infraestrutura de saúde e na capacidade de resposta às emergências sanitárias. Essas lições são fundamentais para orientar o futuro da saúde pública no Brasil. 

Em termos de formação profissional, também houve uma evolução significativa. Hoje, temos uma compreensão mais ampla da necessidade de uma abordagem interdisciplinar e integrada na saúde pública. A formação de novos profissionais de saúde agora inclui uma ênfase maior na saúde coletiva, na equidade e nos determinantes sociais. Essa mudança é essencial para enfrentar os desafios atuais e futuros da saúde pública. 

Guilherme: O que você diria para os jovens profissionais de saúde que estão começando suas carreiras? 

Nelson: Eu diria que a saúde pública é uma área desafiadora, mas extremamente gratificante. É uma área onde você pode realmente fazer a diferença na vida das pessoas e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e saudável. 

É importante lembrar que a saúde pública vai além do tratamento de doenças. Envolve a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a melhoria das condições de vida das comunidades. Isso requer uma abordagem integrada e holística, considerando não apenas os aspectos médicos, mas também sociais, econômicos e ambientais. Para isso é fundamental a integração intersetorial. 

Outro conselho é nunca parar de aprender. A área da saúde está em constante evolução e manter-se atualizado com as últimas pesquisas e práticas é importantíssimo. Participar de cursos de formação continuada, congressos e grupos de estudo pode ser muito útil. 

Por fim, é essencial trabalhar em equipe e valorizar a colaboração interdisciplinar. A saúde pública é um esforço coletivo e o sucesso depende da cooperação entre diferentes profissionais e setores. Construir redes de colaboração e compartilhar conhecimentos e experiências são fundamentais para enfrentar os desafios da saúde pública. 

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