A conformação de um sistema nacional e simultaneamente descentralizado pelas unidades estaduais e municipais da federação e a construção de sua institucionalidade constitui-se num grande desafio para os estudiosos em políticas públicas que pretendem dar conta dessa realidade complexa. Para a compreensão desse desafio, dois movimentos devem ser considerados: um centrípeto, de delegação do centro e a constituição das suas institucionalidades estaduais e municipais; e outro centrífugo, com o reforço dos recursos federais para consolidação da política de saúde. (Draibe, 1994)
No caso específico de São Paulo, a constituição de uma nova institucionalidades no âmbito estadual antecedeu o período em estudo, em gestões anteriores, lideradas primeiramente pelo Prof. Walter Sidney Pereira Leser, ocorrida nos períodos de 1967 a 1969 (durante o governo de Abreu Sodré) e de 1975 a 1979 (durante o governo de Paulo Egídio Martins); lideradas pelo prof. Adib Jatene, de 1979 a 1982 (durante o governo de Paulo Maluf), gestões essas que imprimem um caráter técnico e o desenvolvimento de mudanças institucionais importantes para a implementação das políticas descentralizadoras do período em estudo.
As contribuições do Prof. Leser na direção da constituição do Sistema Estadual de saúde de São Paulo podem ser assim resumidas: realização de ampla reforma administrativa da SES com criação de estruturas centrais e descentralizadas (Divisões Regionais e Distritos Sanitários) e reorganização dos centros de saúde, unificando suas atividades (Mascarenhas, 1973)
Outros aspectos relevantes de sua gestão referem-se à política de recursos humanos com a criação pelo decreto-lei de 2/VIII/1969 da Carreira de Médico Sanitarista, com 622 cargos. E, em 1970, foram também criados 208 cargos isolados de Inspetor de Saneamento com previsão de dedicação exclusiva e exigência de formação em curso especializado de pós-graduação. As mudanças das atividades dos Centros de Saúde permitiram a elaboração de projetos reformas em prédios já existentes, a construção de um total de 112 prédios e a reforma ou ampliação de 268 prédios, bem como. Além disso, criou-se também o Fundo Estadual de Saúde que abria a possibilidade de um Sistema Estadual de Saúde, em que a Secretaria estaria incumbida do planejamento, execução, supervisão e avaliação das atividades da saúde em todos os níveis.
Já a contribuição feita pela gestão do Prof. Adib Jatene tem sua base num amplo diagnóstico das condições socioeconômicas e de saúde da população da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) dando origem ao “Projeto de Expansão da Rede de Serviços Básicos de Saúde para essa mesma região, negociado com o Banco Mundial”. O contrato entre a SES e o Banco Mundial foi firmado em julho de 1984, originando o Programa Metropolitano de Saúde, tendo sua implementação se dado num período favorável – momento de redemocratização do país, após duas décadas e meia de ditadura – com a eleição de Franco Montoro governador de São Paulo (1982) e a renovação dos dirigentes da SES (Bonfim e Bastos, 1996).
No sentido centrífugo, as políticas federais têm sua implementação em São Paulo, com o convênio das AIS que se inicia em julho de 1983, depois de vencer a grande resistência imposta pelo Governo Federal, que se desvanecia em grande medida com o avanço do processo de redemocratização do país. Em 1985, a nova direção do INAMPS, produto das mudanças que acompanhavam o processo de redemocratização, definiu um novo campo de atuação para o programa de AIS. Já não se tratava de um simples processo de compra de serviços da rede de Saúde Pública, mas que se transformou numa estratégia para a unificação e descentralização dos serviços de saúde.
Ao fim de 1985, os convênios para a implantação das AIS cobriam praticamente a totalidade dos 572 municípios de São Paulo e representavam um importante aporte de recursos para os níveis estadual e municipal do governo (Brasil, 1986).
O primeiro período compreendido pelo início dos anos de 1983 a 1987 contempla o processo de redemocratização e de políticas públicas em saúde (AIS, SUDS), movimentos sociais e a emergência de novos projetos de reorganização do sistema estadual. O governo Montoro que teve o Dr. João Yunes na pasta da saúde representa uma segunda mudança em direção à conformação do SUS no estado. Uma nova geração de profissionais ligados à Saúde Pública, fruto da criação da carreira de sanitarista pela SES, participa intensamente na formulação do projeto da saúde no período.
A criação do Programa Metropolitano de Saúde (PMS) e os processos de descentralização com a criação dos Escritórios Regionais de Saúde (ERSAS) são representativos deste período, em decorrência de pressões dos movimentos sociais, dos profissionais sanitaristas e de organizações internacionais como a Organização Panamericana de Saúde OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Com apoio do Banco Mundial, foram realizados investimentos com a construção de 100 unidades básicas de saúde e construção e reformas de hospitais, além de estudos e construção
de um modelo do sistema de saúde, baseado na integração de serviços e de conformação de Sistemas Locais de Saúde (SILOS) (Novaes, 1990; Oliveira, 1988; Paganini e Caote, 1990).
Os princípios do Programa estavam sintonizados com os das Ações Integradas de Saúde (AIS): universalidades, integralidade das ações, estrutura hierarquizada, regionalizada e descentralizada para organização dos serviços de saúde – condição para o financiamento via Banco Mundial (Viana, 2014).
Neste sentido, a implementação do PMS foi feita em três fases: constituição de doze módulos de saúde vinculados à coordenadoria do PMS (de janeiro de 1985 a junho de 1986); constituição dos ERSAS (de julho/86 a junho/87); emergência do SUDS/SUS – processo de municipalização – sistemas locais de saúde (1987-88).
Outra característica desse período foram as experiencias da gestão municipal desenvolvidas em projetos de atenção básica e integração sanitária envolvendo universidades (Unicamp -Paulínia; FSP-FCM Santa Casa Cotia) que se transformam em projetos de gestão municipal mais amplos como ocorreu na Secretaria municipal de Campinas influenciando o movimento municipalista com a organização de um colegiado de secretários municipais.
Cabe ainda ressaltar outra política federal que se deu na área de ciência e tecnologia onde o Programa Nacional de Imunizações (PNI) em 1973 e a Política de Auto Suficiência em Imunobiológicos (PASNI) propiciou a recuperação dos Institutos públicos de pesquisa e produção em especial no caso de São Paulo o Instituto Butantan que a partir de políticas implementadas pela SES estabelece concursos para a carreira de pesquisadores e lideranças científicas, cria o Centro de Biotecnologia, modernizando sua área de produção e a implanta sua Fundação de apoio em 1989.
O período de 87 a 90, durante a gestão do Governador Orestes Quércia e do Secretário de Saúde José Aristodemo Pinotti, deu-se tanto a regulamentação do SUDS quanto a sua implementação do SUS caracterizados por momentos cruciais: o início da municipalização dos serviços em especial a atenção básica, implantação das equipes do PSF e a reestruturação da regionalização no Estado e criação das redes de atenção.
O Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde do Estado de São Paulo (SUDS-SP) é regulamentado pelo decreto nº 28.410, de 20 de maio de 1988. O texto parte do “Compromisso Interinstitucional”, firmado em 21-5-87 (D.O.U. de 20-10-87 e D.O.E. de 11-6-87), entre o MPAS/INAMPS e o Estado de São Paulo/ SES, com a interveniência do Ministério da Saúde. O Convênio SUDS-SP-87 e seu respectivo Termo Aditivo Financeiro (D.O.U. de 20-10-87 e D.O.E. 1.°-8-87), visando à implantação SUDS-SP;333 se insere no Programa de Desenvolvimento de Sistemas
Unificados e Descentralizados de Saúde, criado pelo Decreto Federal n. 94.657, de 20-7-87 (D.O.U. de 21-7-87).
A Cláusula Primeira define o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde do Estado de São Paulo, que se configura política e administrativamente pela integração dos serviços de saúde prestados, direta ou indiretamente, pelo INAMPS-SP, pela Secretaria de Estado da Saúde e pelos Municípios, com vistas ao processo de estadualização e de crescente municipalização das ações de saúde.
O Convênio SUDS-SP/87 estabelece, ainda, dentre as obrigações comuns dos Partícipes, as de “conjugar a .totalidade de seus recursos físicos, materiais e humanos disponíveis no Estado, para implantação definitiva do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde do Estado de São Paulo (SUDS) e de “aperfeiçoar os mecanismos de relacionamento da rede pública de serviços com os serviços das entidades filantrópicas, hospitais universitários e entidades privadas empresariais e fundacionais, incorporando-as no SUDS”. O convênio SUDS prevê também a fixação de prerrogativas e a atribuição de poderes ao Secretário de Estado da Saúde para fins de efetiva representação na CIS-SP e condução do Sistema, e estabelece o compromisso do Estado de adequar a estrutura da Secretaria da Saúde para atender às novas atribuições governamentais decorrentes das ações de saúde.
O relatório síntese da Primeira Conferência Estadual de Saúde realizada em outubro de 1991 mostra em um quadro a participação relativa das diferentes fontes de financiamento da saúde no estado de São Paulo no período de 1980 a 90, a decrescente participação do então INAMPS de 71,53 % para 38,23% em contraste com o crescimento da participação estadual e municipal de 22,82%-31,68% e 5,65%-23,83%, respectivamente. (Mercadante et al., 1994)
No caso de São Paulo, as mudanças iniciadas na gestão João Yunes em 1983 implementando o processo de descentralização e municipalização através do Programa Metropolitano de Saúde e a posterior criação dos Escritórios Regionais de Saúde -ERSAS, encontra na gestão José Aristodemo Pinotti sua continuidade, com grande apoio das políticas federais e o crescimento dos financiamentos estaduais e municipais (Mercadante et al., 1994).
O terceiro período de 1991 a 94, Gestão Antônio Fleury, está representado pela gestão de três secretários: Nader Wafae, Vicente Amato e Carmino Antônio de Souza e acentua as tendências observadas no período anterior, inaugurando um período de crises internas na SES-SP.