O impacto das reformas na saúde pública de São Paulo é o tema central desta entrevista conduzida por Nelson Ibañez e Ana Luiza Viana com Olímpio J Nogueira V Bittar para o projeto “História e Saúde: Instituições, Ideias e Atores“. Com décadas de experiência na administração de serviços de saúde, Bittar compartilha sua trajetória e reflexões sobre a gestão hospitalar e as mudanças implementadas ao longo dos anos.

Olímpio Bittar, formado em medicina e especializado em administração hospitalar, ocupou diversos cargos públicos importantes, incluindo a função de Diretor do Departamento de Hospitais Gerais e Especiais na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Ele discute a importância da autonomia administrativa e do conhecimento técnico para a eficácia das políticas de saúde. Bittar relembra o período em que atuou na Faculdade de Saúde Pública e as reformas vivenciadas, como a criação das Organizações Sociais de Saúde, destacando os desafios enfrentados devido à perda de pessoal técnico qualificado na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo ao longo dos últimos anos. 

A entrevista oferece uma análise detalhada sobre as fases de reformas administrativas no Estado de São Paulo, e como essas mudanças impactaram a qualidade dos serviços hospitalares. Bittar enfatiza a necessidade de avaliações e controles efetivos para evitar a fragmentação das políticas públicas de saúde.

A trajetória de Olímpio Bittar, marcada por uma dedicação contínua à melhoria da gestão hospitalar, revela uma visão crítica e experiente sobre os desafios e avanços do Sistema Único de Saúde (SUS), fornecendo análises valiosas para a compreensão e a evolução da saúde pública no Brasil.

Ana Luiza Viana: Olimpio, para começarmos nossa conversa, gostaria que você falasse brevemente sobre sua carreira profissional. Pode nos contar sobre suas principais experiências e como foi sua trajetória?

Olimpio Bittar: Eu sou formado na Faculdade de Medicina de Uberaba, em 1973. Fiz clínica geral, para voltar para o interior. E, para ter uma especialidade, fiz residência médica em Anestesiologia e um estágio de um ano em pneumologia na Escola Paulista de Medicina. Acabei clinicando cinco anos, quando decidi ir para a saúde pública.

Foi o que eu fiz de mais acertado, porque me integrei bem na saúde pública, principalmente na questão de administração de serviços de saúde. Após um mestrado em Saúde Pública um doutorado em Medicina Preventiva, em Ribeirão Preto. A livre de docência na Saúde Pública um pouco depois na Faculdade de Saúde Pública. Nessa volta, como voluntário, criei uma disciplina que teve uma boa demanda, cujo título era Conceitos Básicos de Relevância para a Administração de Saúde.

O objetivo foi orientar aos profissionais de saúde com dificuldade em utilizar os conceitos. Se você não conhece os conceitos, dificilmente interpreta bem as políticas, técnicas e atividades administrativas. Exemplificando, presenciava a dificuldade para profissionais de saúde, diferenciarem os conceitos de eficiência, eficácia e efetividade.  

Se não tem um entendimento das políticas da saúde, se não consegue entender os textos, não consegue entender como buscar, medir os resultados, dificilmente vai aplicá-los corretamente. 

Voltando a secretaria, outro problema, em parte resolvido a partir do Governo Mário Covas iniciado em 1995, era a questão da falta de autonomia dos serviços públicos de saúde.

As unidades de saúde até aquela época, eram todas da administração direta ou indireta, sem autonomia necessária para suas atividades rotineiras ou principalmente emergenciais. A autonomia faltava, ou melhor a agilidade inexistia, para contratar, para comprar, inclusive atividades emergenciais. Mesmo quando conseguia realizar a ação, era às custas de uma dificuldade tremenda, seguindo uma legislação que tem prazos enormes a serem cumpridos até chegar ao fim. Ou seja, era uma grande dificuldade. E, veja, essa falta de autonomia tira a responsabilidade do dirigente à medida que os processos legais são lentos. A agilidade foge das suas mãos.

Em 1995 começa a gestão Mário Covas e como Secretário de Saúde José da Silva Guedes e Luiz Roberto Barradas Barata como Secretário Executivo, quando são criadas as Organizações Sociais de Saúde, tendo as primeiras iniciado operações em 1998. Passados dois anos, o Nelson e eu, realizamos um trabalho para avaliar a implementação dessas unidades. Escrevemos vários relatórios e artigos e terminada a consultoria continuei escrevendo e comparando estas unidades com as autarquias, com outras unidades da administração direta, e constatava vantagens em qualidade e produtividade.

A partir de 2010 houve um tempo em que esse processo de transformação das unidades da direta em organizações sociais ficou parado. Possivelmente o falecimento do Dr. Barradas em 2010 contribuiu para este fato, uma vez que o mesmo teve participação importante na criação e implementação das mesmas. É um processo de bom sucesso, sendo que atualmente 22 estados e mais de 200 municípios têm organizações sociais. Tem problemas? Sim, mas são problemas passíveis de correção com implementação de sistemas de planejamento e avaliação nos órgãos de saúde centrais.

Ana Luiza Viana: Olimpio, você acha que a descentralização na saúde em São Paulo avançou durante a administração do Guedes e do governador Covas, no início da implantação do SUS?

Olimpio Bittar: Sim. Inclusive, o fim dos Escritórios Regionais de Saúde (ERSAS). Os ERSAS eram 65 unidades, fragmentando geograficamente o Estado. Criadas 25 diretorias regionais e continuando, na gestão seguinte as regionais passaram a ser 17, facilitando a comunicação e a interação com o gestor. Nem sempre o processo de descentralização significa criação de grande número de unidades.

Hoje, com a tecnologia e a comunicação que existe, não precisaria nem de 17 regionais de saúde. Exemplificando, a regional de Rio Preto com maior número de municípios, 102 no total e 2,5 milhões de habitantes. Esses números são os que tenho na cabeça e já estou afastado há três anos, então não estou atualizado neles. Ocorreu nas últimas décadas o fechamento de alguns hospitais filantrópicos na região, mas tem hospitais de ensino como o Hospital de Base que presta boa assistência e mantêm boa liderança na regulação da demanda na região.

 A descentralização passa por regionalização adequada, formação de profissionais de saúde e de profissionais da infraestrutura de boa qualidade, equipamentos de saúde que funcionem, com número de profissionais adequado, boa comunicação, logística efetiva, para um correto dimensionamento geográfico, populacional e epidemiológico. 

 Hoje, modernamente, você tem recursos tecnológicos que permitem administrar grandes áreas geográficas e populacionais sem precisar crescer muito a infraestrutura administrativa. Um cuidado especial refere-se ao planejamento de regiões de saúde que é a participação multiprofissional, além dos profissionais de saúde, com participação especial do epidemiologista, não esquecer de geógrafo, demógrafo, economista, entre outros. Esse é o meu ponto de vista.

Ana Luiza Viana: Olimpio, como você vê a evolução das reformas na Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, desde as reformas de Walter Leser, passando pelo Programa Metropolitano de Saúde e até a implementação do SUS?

Olimpio Bittar: Na realidade, eu não estava dentro da secretaria nessa época. Eu era tisiologista no Mandaqui. Entrei no Estado em 1974, como plantonista em Santa Rita do Passa Quatro (SP). Passei no concurso e fui para o Mandaqui. Em 1979, fiz o curso na Saúde Pública, que era um dos poucos cursos que existia no País, composto de aulas teóricas e 450 horas de estágio.

Ana Luiza Viana: Olimpio, fale um pouco sobre o curso que você mencionou.

Olimpio Bittar: Esse curso era excelente. Foi criado pelo professor Odair Pedroso, que enviou a doutora Lourdes de Freitas Carvalho e o professor José Gabriel Borba para os Estados Unidos, onde fizeram mestrado em administração hospitalar. Um em Minnesota e o outro em Massachusetts, por volta de 1949. Com o financiamento que conseguiram da Kellogs Foundation, criaram esse curso na Faculdade de Saúde Pública – USP.

Era espetacular porque o curso de administração hospitalar tinha um bom componente de saúde pública. No primeiro semestre, havia ênfase em Saúde Pública, com algumas matérias de administração hospitalar, e no segundo semestre, tínhamos 450 horas de experiência prática e disciplinas de administração tanto hospitalar como geral. Eu fiz estágio prático no Hospital 9 de Julho, muito interessante.  

Além disso, o curso tinha um componente prático intensivo nos fins de semana, que envolvia medições e avaliações em hospitais como o de Cotia. Dividíamos os alunos em grupos e fazíamos tarefas como plotar móveis e equipamentos, medindo alturas e dimensões nas diferentes unidades do hospital. Relatório elaborado os grupos passavam a discuti-los em sala de aula. Essa abordagem prática, embora parecesse tediosa na época, tinha uma pedagogia muito interessante.

Quando saíamos desse curso e começávamos a trabalhar, valorizávamos muito essa formação prática, essencial para quem ia administrar hospitais e outros serviços de saúde.

Ana Luiza Viana: Você lembra dos professores desse curso?

Olimpio Bittar: Sim, lembro da doutora Lourdes de Freitas Carvalho, do Dr. Antero Barradas Barata, que foi meu orientador no mestrado, e do Dr. Gabriel Borba. Também lembro de professores convidados, de outras áreas da USP e de outras universidades.

Ana Luiza Viana: O Odair Pacheco Pedroso dava aula também?

Olimpio Bittar: Não, o Professor Odair já tinha saído nessa época. Infelizmente, alguns anos depois o curso foi fechado para ser remodelado e parece que não retornou as atividades. Não sei como está hoje, se existe ainda.

Ana Luiza Viana: Era um curso de administração hospitalar e saúde pública?

Olimpio Bittar: Sim, dentro da Saúde Pública havia essa especialização em administração hospitalar, conduzida pelo Departamento de Prática de Saúde Pública. Formou profissionais para todo o Brasil.

Ana Luiza Viana: Vinha gente de todo o Brasil?

Olimpio Bittar: Sim, de todo o Brasil, inclusive para a Fundação SESP. Mas, veja Ana, os formandos da faculdade naquela época tinham participação efetiva nas gestões de secretarias de saúde estaduais e municipais no País. 

Ana Luiza Viana: Quanto tempo durou esse curso? Você tem ideia?

Olimpio Bittar: Acho que foi de 1951 até 1994, se não me engano.

Ana Luiza Viana: Nossa, muito tempo! Quase meio século…

Olimpio Bittar: Sim, e durante esse tempo, Nelson Ibañez e eu participamos da Associação Paulista de Hospitais, que publicava uma revista indexada sobre administração hospitalar. Escrevemos vários artigos, lá. A Associação foi importante para a administração hospitalar no País, além da revista, promovia congressos e jornadas de administração hospitalar.

Ana Luiza Viana: Era especialização ou mestrado?

Olimpio Bittar: Era especialização. Depois você podia fazer mestrado e doutorado. O curso era em tempo integral, para médicos e outros profissionais de saúde. As aulas eram pela manhã e tarde no primeiro semestre, e no segundo semestre, tínhamos estágio de manhã e aulas à tarde.

Ana Luiza Viana: Em que ano você fez esse curso?

Olimpio Bittar: Fiz em 1979. Foi uma experiência muito interessante.

Ana Luiza Viana: E você entrou na secretaria naquela época?

Olimpio Bittar: Entrei na secretaria em 14 de agosto de 1974, na segunda gestão do professor Leser.

Ana Luiza Viana: Conte um pouco sobre essa experiência com o professor Leser.

Olimpio Bittar: Eu era um médico sem experiência em administração, até então. Foi só em 1979 que descobri a saúde pública e a administração de serviços de saúde e percebi sua extrema utilidade. Acabei estudando mais administração de saúde do que medicina e a aplicação das funções da administração em gestão de saúde. Com o tempo fui analisando o legado deixado nas duas vezes em que Prof. Leser foi secretário, lembrando principalmente da Carreira de Sanitarista, cuja formação ficou a cargo da Faculdade de Saúde Pública.

Ana Luiza Viana: Então, você largou a medicina?

Olimpio Bittar: Não, quem se especializa em saúde pública não larga a medicina. Você pratica medicina de outra forma, com visão holística dos assuntos de saúde e administração e como se faz a integração entre estas duas áreas. Costumo definir hospital e esta definição se aplica a saúde como um todo, como instituição complexa, complicada, disruptiva, de alto risco e alto custo. Estas características fazem com que as aplicações da administração aos assuntos de saúde exigem técnicas, métodos específicos e equipe multiprofissional.

Ana Luiza Viana: Mas há bons gestores na saúde que não são médicos também, certo?

Olimpio Bittar: Sim, com certeza. Eu, por exemplo, passei um ano na Grã-Bretanha onde presenciei diversas categorias administrando unidades de saúde. Em uma visita ao hospital na época cheguei a tocar no assunto e a resposta que obtive foi que quem deve administrar é a equipe, nada mais correto.

 A liderança não precisa ser necessariamente do médico ou da enfermeira. Há ótimos administradores de empresas que se locomovem muito bem dentro da área de saúde. O essencial é a liderança, vocação, conhecimento técnico administrativo e comprometimento. Na área de saúde, há 14 categorias profissionais diferentes, com mais de 300 especialidades distintas, além dos administradores, economistas, engenheiros e arquitetos.

Vamos lembrar que o ministro José Serra se saiu muito bem na gestão do Ministério da Saúde, não era médico e soube montar e liderar equipe competente.

Me recordo, quando ele foi Secretário de Planejamento do Governo Montoro, em uma visita a Secretaria de Estado da Saúde, mencionou a necessidade e importância de ter Política (s) hospitalar (s) para o Estado. Certamente uma delas faltou, a que estabelecesse critérios para construção de hospitais de pequeno porte, que, pela sua baixa resolubilidade acabam encerrando suas atividades ou atuando com baixa ocupação.

Ana Luiza Viana: Que ano foi isso? 

Olimpio Bittar: Foi em parte de 1986 e 1987 e o curso tratava de planejamento e economia aplicada à saúde. 

Ana Luiza Viana: Esse conhecimento que você adquiriu, quando assumiu cargos na secretaria, já na gestão João Yunes, facilitou ou gerou oposição ao que vinha sendo feito? Como você viu esse conhecimento aplicado no Estado? A política pública de saúde envolve conflitos e distribuições. Como você lida com a razão técnica e a administração de conflitos entre as 300 especialidades que você mencionou?

Olimpio Bittar: Eu fiquei pouco tempo na gestão Yunes e não me recordo de inovações da sua gestão.

Aproveitando sua pergunta sobre razão técnica e administração, comento da existência de um departamento que se perdeu em uma das reformas da secretaria, o Departamento de Técnica Hospitalar da Coordenadoria de Assistência Hospitalar. Esse departamento, multiprofissional, incluía médicos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas, arquitetos, e funcionava como um “órgão orientador” para os hospitais públicos e privados.

O trabalho era técnico e administrativo, elaboração do quadro de pessoal das unidades, avaliavam projetos, tiravam dúvidas. Um fato que surgiu inesperadamente, certa vez, um hospital privado, consultou o departamento sobre a colocação de carpete nos quartos das enfermarias. Não sabiam a resposta e foram obtê-la consultando a American Hospital Association, que respondeu com um sim e especificou as condições para isso. O departamento também verificava especificações e fluxos para a construção de hospitais. Infelizmente, foi extinto em uma das reformas.

De tempos em tempos é importante rever as estruturas administrativas face às mudanças políticas, tecnológicas, educacionais, econômicas, de foco dos diferentes órgãos da administração pública, visando a maximização da sua atuação, mas com cuidados para preservar a parte estrutural cuja atuação técnica e social ainda é imprescindível para o sistema.

Ana Luiza Viana: Acabaram literalmente, não foi divulgado nada?

Olimpio Bittar: Não, acabou. Na época a secretaria tinha 19 hospitais gerais e especiais e esse papel consultivo. Hoje a secretaria tem mais de 100 hospitais e não tem um órgão desse tipo.

Ana Luiza Viana: Mas você não tem a conformação de protocolo, já?

Olimpio Bittar: Não sei, acho que não tem. Estou por fora. Mas se perdeu um conhecimento, uma técnica. Cada vez mais precisamos de conhecimento nessa área como vou comentar a seguir com um fato real ligado ao Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia em 2018.  Em determinadas cirurgias cardíacas, interrompe-se o funcionamento do coração, e o seu trabalho é realizado por uma bomba”. Esta máquina passa a fazer a oxigenação do sangue valendo-se de cânulas para circulação extracorpórea enquanto o coração está inativo. Anos antes, uma portaria ministerial, proíbe a reesterilização das cânulas, consequentemente sua reutilização. O preço da cânula, pelo que remunerava o SUS, era um percentual altíssimo do valor retribuído para a cirurgia. Quando o diretor do Instituto, o Dr. Fausto Feres, assumiu em 2017, percebeu que teria dificuldades orçamentárias para atender a demanda. E isto impactava também em outros hospitais privados e públicos. Então, ele, a médica infectologista e o diretor de cirurgia da unidade estudaram detalhadamente a segurança que o processo de esterilização proporcionava verificando que era efetivo e eficaz, tornando a sua utilização eficiente. Agendou uma reunião com o diretor da ANVISA, o doutor William Dib, e foram defender a utilização dos tubos reesterilizados, viabilizando cirurgias com menor custo não só para a rede pública como para a privada. É disto que devemos dispor, da possibilidade de diálogo com instâncias superiores, agências reguladoras, para o melhor entendimento que produza novas políticas e normas.  O departamento de técnica hospitalar seria de grande ajuda nessas ocasiões, facilitando o diálogo, a oportunidade e suporte técnico para as edições e/ou correções de normas e até mesmo políticas de saúde.

Ana Luiza Viana: Me diga uma coisa. Então, da sua experiência, desses 30, 40 anos dentro da secretaria, você foi perdendo determinadas áreas técnicas, determinados tipos de conhecimento? Você teve também uma perda de pessoal significativa, técnico, conhecimento, aprendizado? Será que isso foi um dos entraves?

Olimpio Bittar: experiência de 48 anos. Perda de profissionais: atualmente um problema que se apresenta nas unidades públicas de saúde tanto nos órgãos centrais como nas unidades subordinadas é a dificuldade em reposição de funcionários. Na década de noventa a Secretaria chegou a ter 80 mil e não estou insinuando ser muito ou pouco. Acredito que com a tecnologia que existe hoje muito do trabalho que não é específico do contato direto com paciente, no caso o dos profissionais de saúde, pode ser realizado digitalmente ou de outra forma. Atualmente, o número de funcionários está na casa dos 36 mil, com mais de 60% dos funcionários acima dos 50 anos de idade, logo muitos prevendo aposentadoria nos próximos anos. 

Importante considerar que não tenho dados da gestão atual, uma vez que me afastei um tempo antes do seu início em 2023.

Os poucos concursos abertos, quando finalizados, têm tempo longo para a admissão, ocorrendo desistências dos candidatos aprovados no meio do caminho porque encontram outras vantagens em outros lugares ou desistem simplesmente. E, no serviço público as tomadas de decisão são lentas na maioria das vezes. Nem tudo é passível de terceirização no serviço público, como as vigilâncias sanitária, epidemiológica, que necessitam de carreiras de Estado e não de Governo. Isto não quer dizer que sou contra a terceirização, desde que seja feita com adequada seleção dos parceiros, contratos bem elaborados, atualizados e avaliação contínua qualitativa e quantitativa das ações do terceirizado.

Nelson Ibañez: Você está colocando um problema central, a inteligência técnica para fazer a gestão. Nesse tempo da Coordenadoria de Hospitais (CH), tinha um papel direto na administração dos hospitais públicos, mas a grande maioria dos hospitais eram Santas Casas. Como era essa relação da Secretaria Estadual com as entidades filantrópicas, que formavam a rede hospitalar que funcionava?

Olimpio Bittar: Era uma relação harmoniosa com os filantrópicos. O relacionamento com a secretaria não era problema. A saúde até a década de oitenta, ouso dizer que era um pouco “artesanal”, simples e de baixo custo. Naquela época, ainda havia doações, não tinha tanta tecnologia e dificuldades financeiras.

No meio da década de 70, começou a haver uma diversidade tecnológica muito grande e cada vez mais cara, tanto em equipamentos quanto em insumos e nesta época o financiamento passa a ser um dos motivos de conflitos. 

Lembro que, quando ia pegar uma veia, usava-se seringa de vidro e agulha de metal, esterelizável. Hoje em dia, tudo é descartável. Isso melhorou a segurança, mas complicou a situação financeira. Os prestadores e os agentes públicos também têm responsabilidade. Ninguém conhecia bem os custos. As negociações do preço dos procedimentos era difícil e favorecia determinadas especialidades mais organizadas ou com força política. Hoje, já há preocupação com os custos dos procedimentos.  

A gestão precisa melhorar, incorporando técnicas administrativas e programas de qualidade. Temos 6.399 hospitais no Brasil, mas apenas 390 são acreditados, ou seja, 6%. O programa de Acreditação Hospitalar está aí há três décadas. Algo está errado e precisa ser revisado. Programa de qualidade não é uma panaceia, mas é fundamental para evitar eventos adversos, iatrogenia, retrabalho, ações judiciais, melhorar a comunicação interna, etc. Há uma série de questões que precisam ser implementadas e revistas.

O financiamento precisa ser baseado nos custos, suportados pela qualidade do atendimento e também pela quantidade da produção.

E, para finalizar, quando afirmar que a saúde precisa de mais financiamento, o essencial é dizer quanto, em moeda (R$), é o valor faltante. Veja, não estou dizendo que não falta financiamento, digo que só afirmar que o financiamento não é suficiente para cobrir o gasto com programas e serviços não é o melhor argumento.

Nelson Ibañez: Olimpio, você mencionou algo fundamental: as organizações sociais melhoraram a gestão e a qualidade. Mas, à medida que o Estado perde sua capacidade técnica e de monitoramento, as organizações sociais podem desenvolver sua própria expertise e quebrar a política pública. Como você vê isso?

Olimpio Bittar: Isso é sério. Além de não ter mais um departamento técnico, há dificuldades no planejamento e na avaliação (controle, fiscalização, monitoramento e auditoria). Essas são ferramentas que precisam estar ativas permanentemente. Não dá para deixar solto. Sem isso, cada um cria seu próprio método: alguns bons, outros péssimos. Os órgãos gestores e as entidades precisam definir normas, padrões, técnicas e avaliar.

Nelson Ibañez: Eu me lembro dos boletins 101, 102, que forneciam um panorama de informações. Como você vê a questão do sistema de informação hoje, para ter um quadro do que está acontecendo, quem interna, quem não interna, e para fazer avaliações?

Olimpio Bittar: Os boletins, no formato que existiam, acabaram. Eles continham dados epidemiológicos e administrativos. Com o boletim da saúde suplementar, você teria uma visão local e regional dos dados dos pacientes internados, da forma de financiamento e outros dados administrativos. Hoje, ainda dá para analisar e decidir ações com o DATASUS. Por exemplo, quando acompanhava hospitais de ensino, usávamos um protocolo da ARQH (Agency for Research and Quality Healthcare) americana com 22 indicadores, volume, procedimentos cirúrgicos e diagnóstico clínico constante do DATASUS. 

Indicadores como a equipe de cirurgia cardíaca deve fazer no mínimo 100 cirurgias por ano e a mortalidade de cirurgia cardíaca deve ser abaixo de um certo número. Pegamos hospitais com mortalidade elevada e menos de 100 procedimentos, e conversamos individualmente. A mortalidade por infarto do miocárdio e AVC são outros indicadores. 

Você pode extrair indicadores do DATASUS para tomar decisões, embora ainda seja restrito. Agora, o pessoal está começando a trabalhar com DRG, o que possivelmente melhorará a avaliação e a operacionalização dos hospitais.

 Não é a falta de formulários que impedirão o sistema de ter informações para administração, mas sim a decisão de que indicadores de qualidade e quantidade serão necessários, continuamente, periodicamente e ocasionalmente, dependendo do foco e do que se quer avaliar.

Nelson Ibañez: Olímpio, como você percebeu a interferência política no período que passou na secretaria? A saúde conseguiu se blindar dessas interferências?Olimpio Bittar: A interferência política depende muito da personalidade do secretário. É possível trabalhar com políticos, mas é necessário ter uma argumentação técnica sólida e capacidade de diálogo para evitar propostas que não trazem melhorias reais para a população. A base técnica da secretaria é crucial, daí a importância de equipe técnica multiprofissional, capacitada, treinada e motivada.

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